"Tempo de Dificuldades", uma constante da história russa.
Já passou um ano desde o início da guerra civil na Ucrânia, que evoca à memoria histórica dos russos o Tempo de Dificuldades do século XVII. Sofrendo de uma crise econômica e ideológica a Rússia ao final do século XVI caiu numa guerra civil total e esteve prestes de ser repartida entre a Polônia-Lituânia e a Suécia. Naquele tempo os cossacos («proto-ucranianos»), descontentes com o governo do tsar Boris Godunov, acompanharam os exércitos privados de oligarcas polacos em sua campanha contra a Rússia. É interessante que na primeira etapa o impostor Dmitri, o Falso I até foi bem recebido pelos russos, como um Dmitri “de Verdade” (como um filho legítimo do tsar-modelo Ivã IV, o Severo)!
Obviamente nos momentos da fraqueza do estado russo, suas periferias ficam vulneráveis para a manipulação dos inimigos e produzem as hordas dos cães selvagens, que levam a guerra para Moscou, ativando aos radicais políticos, elites contrariadas e grupos criminosos locais. O «Tempo de Dificuldades» se repetiu uma vez mais no início do século XX e está se repetindo agora mesmo on-line.
Sim, por um lado vemos uma transfiguração positiva da sociedade russa: os medíocres artistas de cinema viram os anjos da ajuda humanitária, os lavadores de autos viram os comandantes de tropas de elite – nossa sociedade, atomizada e humilhada durante os últimos 20 anos pela continua Reforma de Choque, depois da Criméia mostra uma surpreendente solidaridade e autoestima, produz aos verdadeiros heróis e lendas. Por outro lado também se manifestaram os nossos defeitos, se despertaram os nossos demônios. Nós continuamos no vácuo ideológico, preenchido pelo clericalismo medieval e antisovietismo vulgar do grupo governante, continuamos o curso neoliberal da econômia, quando a maioria do povo considera este curso fatal. A linguagem propagandistica do Kremlin é confusa e fraca.
Os calcanhares de Aquiles Russo
Sem dúvida a Criméia foi uma mudança radical do clima político na Rússia. A reintegração da Rússia com a Criméia colocou o grupo governante de Putin no mesmo barco com o povo. Agora não só os russos são um «povo errado» (conforme à russofobia ocidental, cuja história começa no século XI desde o Cisma da Igreja de 1054), agora o nosso líder nacional também perdeu sua coroa do “único europeu no país bárbaro”. Já não é um gerênte do capital estrangeiro, como Pinochet, mas quem é? O ditador argentino que quis reconquistar as Ilhas Malvinas, Leopoldo Galtieri? Ou um novo Lenin-Stalin, que pode re-sintetizar a grande Rússia numa forma moderna? Então, esperamos que o grupo governante e as elites também compartam o preço que pagamos por ter recuperado nossa subjetividade. Se não observamos este balanço, nos espera uma repetição das catástrofes do século XVII, dos anos 1917 e 1991, quando os grupos governantes perderam o controle sobre as elites e ao mesmo tempo perderam a confiança e respeito do povo.
Nova Ucrânia e Nova Rússia (Novorossiya)
Na dimenção global da guerra civil ucraniana vemos por um lado aos ucranianos pró-EUA e por outro lado aos ucranianos pró-Rússia.
Os pró-EUA acham que esta guerra é uma agressão da Rússia que quer liquidar a Ucrânia, porque esta Ucrânia é só um parasita intermediário do negócio entre a Rússia e a Alemanha. É lógico que esta Ucrânia parasita lute por sua sobrevivência, mobilizando seus recursos humanos com ajuda dos canais midiáticos e administrativos que ela controla. Esta Ucrânia afirma que a Rússia atual e seu negócio com a Alemanha é um nonsense, a Rússia atual deve ser destruída e substituida por uma Nova Ucrânia. Esta Ucrânia não quer tanto se associar com a UE, como ela quer destruir e substituir a Rússia, por isso ela se associa mais com os EUA.
Os pró-Rússia acham que esta guerra é uma agressão dos EUA contra a Rússia a fim de reconfigurar o mercado europeu de energia e congelar os projetos globais da Rússia (União Euroasiática, BRICS, OCX, etc.). É lógico que esta Ucrânia pró-Rússia se associe com a Rússia e tem medo da perda de controle sobre sua riqueza natural e industrial. Esta Ucrânia pró-Rússia afirma que as ambições da Ucrânia parasita são um nonsense, a Ucrânia atual deve ser reformatada e substituída por uma Nova Rússia.
A esta altura do campeonato vemos que os EUA financiam aos radicais neonazistas ucranianos, a bandeira dos EUA está colada sobre o escritório do SBU em Kiev (Serviço da Segurança Estatal), onde os consultores dos EUA ocupam um andar completo e tomam todas as decisões importantes para Kiev. Claro, que a «Ucrânia» atual é um protetorado dos EUA! Para os EUA «Ucrânia» é um “vírus trojan” que deve “crackear o disco duro” da Rússia e roubar seu dinheiro.
Ao mesmo tempo vemos que a Rússia apoia aos rebeldes do Leste, a bandeira da Rússia está colada sobre o prédio da OGA em Donetsk (Administração da RPD), os consultores do Kremlin também tomam todas as decisões importantes para as RPD e RPL. A Novorossiya atual é um protetorado da Rússia! A Novorossiya é um “vírus trojan” para “crackear o disco duro” da Ucrânia parasita e se livrar de suas comissões.
Ok, a situação esta clara ao nível global, mas na dimenção local, ao nivel molecular da movida vemos por um lado aos ucranianos russofóbicos e por outro lado - aos ucranianos russófilos. Se os primeiros lutam por uma Nova Ucrânia, purgada dos tarados elementos russos. Os segundos lutam por uma Nova Rússia, purgada dos tarados elementos ucranianos.
Washington financia a Nova Ucrânia só em parte, é possivel que a maior parte do financiamento das Forças Armadas da Ucrânia venha da sociedade da Ucrânia mesma (doações tanto voluntárias, como forçadas). E este mesmo fenômeno é característico para a Nova Rússia, que recebe a maior parte do financiamento não de Moscou, senão da sociedade russa.
Fator étnico e lingua
Fator étnico e lingua não são decisivos para esta guerra. Muitos russos étnicos lutam nas Forças Armadas da Ucrânia pró-EUA, como também muitos ucranianos étnicos lutam nas Forças Armadas da Novorossiya pró-Rússia. Há mais ucranianos étnicos nos governos da RPD e RPL que no governo da Ucrânia (que também tem aos ministros estrangeiros, criados nos tubos de ensaio da CIA – são representantes dos EUA, Lituânia, Geórgia). Ambas as partes ainda falam russo: um 83% dos cidadãos da «antiga» Ucrânia eram russo-falantes nativos em 2008 [1.] (os ministros estrangeiros falam russo também!).
Ou seja, não se enfrentam tanto as etnias ou línguas, como dois modelos de Futuro: uma Ucrânia derrussificada e pró-EUA e outra Ucrânia pró-Rússia. Os russos e ucranianos, que falam o idioma russo e lutam por uma Ucrânia pró-EUA, acham o “mito ucraniano” superior ao “mito russo” [2.], eles sendo falantes de russo querem que seus filhos num futuro próximo falem a língua ucraniana, eles estão a favor de uma ucranização e derrussificação forçadas. Mas isso não acontece na Criméia e Novorossiya, onde tem várias línguas estatais: russa, ucraniana, tártara (na Criméia), como também há ideias de introduzir a língua grega para a Novorossiya. Constamos que se enfrentam dois conceitos: assimilação forçada e um mosaico imperial. Enfrentamento esse que também se verificou na desintegração da Iugoslávia em locais como Krajina contra a Croácia Neo-Ustashe, na Republika Srpska contra a Bósnia Neo-Otomana e em Kosovo contra o Exército de Libertação de Kosovo (os três apoiados pelo Ocidente e a OTAN).
É lógico que na primeira etapa da crise se actualizasse o tema da federalização que poderia resolver as contradições. Por que não? A parte pró-EUA e a pró-Rússia se separam e vão embora cada uma para suas casas: já construídas (!) em forma das “euroregiões” [3.]. Mas o tema da federalização foi silenciada pelas elites governantes da Ucrânia: “a federalização deve ser feita desde baixo e não desde cima”. Que argumento mais ridículo (repetido por todos os presidentes da Ucrânia, menos Yanukovich) - como se a Ucrânia unitária não fosse feita desde cima! Como se a guerra civil não é suficiente “desde baixo”. Em lugar de uma separação pacífica a“comunidade mundial” recomenda ao esposos matar um ao outro, muito bom! Mas se pode entender isso: a tarefa não é colmatar diferenças, senão destruir e substituir a Rússia, como feito com a Iugoslávia, o Iraque e a Líbia anteriormente e como está tentando se fazer com a Síria.
Fator nacional vs multinacional
Os fatores étnico e linguístico não são suficientemente fortes, embora eles também estejam em jogo: a propaganda oficialista de Kiev costuma elogiar os ucranianos da Galícia (os menos russificados) como os ucranianos modelo [4.], a primeira lei tomada pela junta foi a lei sobre discriminação da língua russa. Mas o desafio principal deste conflito geoeconômico é nacionalização: uma Ucrânia bonzinha/européia/correta/NACIONAL vs uma Rússia monstruosa/asiática/errada/MULTINACIONAL [5.], com a primeira sendo apresentada como uma espécie de barreira do Ocidente “civilizado” contra a “barbárie asiática” imputada à Rússia, uma retórica que em sua essência é a mesma da “Muralha do Cristandade Ocidental” usada pela Polônia ao longo de sua história para com seus inimigos meridionais e orientais [6.].
A propaganda ucraniana costuma falar em seu delírio sobre as tropas de chechenos, buriatos, cossacos... As hordas multinacionais da Rússia uma vez mais atacaram a pobre nação ucraniana! É oportuno recordar ao pai da Ucrânia Vladímir Lenin, que escreviu em junho de 1917: “O tsarismo maldito convertia os russos em carrascos do povo ucraniano...”. Os Lenins de hoje que destruem os monumentos aos Lenins de antes diríam em vez do “tsarismo” – “putinismo”. Seja “putinismo”, “URSSismo”, “tsarismo”, “hordismo”, sempre é um enfrentamento entre uma Ucrânia bonzinha/européia/correta/NACIONAL e uma Rússia monstruosa/asiática/errada/MULTINACIONAL [7.]. Enfrentamento esse que em nada difere do enfrentamento entre a Eslovênia e a Croácia bonzinhas/européias/corretas/NACIONAIS e a Iugoslávia monstruosa/asiática/errada/MULTINACIONAL na década retrasada.
Nacionalismo russo entre EUA e EUA
É curiosa a situação na qual se encontram hoje os nacionalistas russos. Eles também odeiam a Rússia monstruosa/asiática/errada/MULTINACIONAL e igual aos nacionalistas ucranianos querem assimilar as etnias diferentes de seu país. Uma parte deles inveja muito aos nacionalistas ucranianos, apoia aos ucranianos pró-EUA, porque eles querem destruir a Rússia de hoje, uma Rússia “errada” (conforme a eles). Ao mesmo tempo resulta que estes nacionalistas russos para destruir a Rússia multinacional sacrificam aos russos étnicos mesmos, que moram no Sudeste da Ucrânia [8.]. Outra parte dos nacionalistas russos apoia a Nova Rússia, que deve virar uma base para a revolução nacional na Rússia mesma, eles querem acabar com a Ucrânia como com um projeto anti-russo e espalhar a “primaveira russa” na mesma Rússia. Possivelmente muitos destes nacionalistas entendem que a “primaveira russa” na mesma Rússia não tenha muitos chances, eles vem que a Novorossiya está virando um protetorado da Rússia tão odiada, mas eles não podem tolerar as purgas étnicas contra os russos no Leste da Ucrânia.
Vemos que uns nacionaliatas russos apoiam o nacionalismo ucraniano, porque este é uma velha boa arma do Ocidente contra o “Império Russo”, quando os outros nacionalistas russos apoiam aos russos étnicos na Ucrânia, porque acreditam na conscientização nacional dos russos a base da luta pela liberação nacional da Novorossiya contra o chauvinismo ucraniano. Uns esperam a revolução nacional russa mediante a ajuda para Ucrânia, os outros a esperam mediante a luta contra a Ucrânia.
Contudo ambos nacionalismos: tanto russo (ucrainófilo e ucrainofóbico), como ucraniano odeiam o «Império Russo». Por isso teoricamente os EUA poderiam financiar ambos! Agora os EUA mantem o nacionalismo ucraniano, mas há idéias de “distribuição de pão e biscoitos” para os nacionalistas russos também. A confederação da Ucrânia e ajuda total ao estado nacional dos russos da Novorossiya é uma receita do jornal conservador “The American Thinker” [9.]: o Ocidente deveria abandonar o projeto “Ucrânia”, porque é uma piada de Deus, o Ocidente deveria crear uma república nacional russa em Novorossiya, um modelo a seguir para a mesma Rússia (tipo a Alemanha Ocidental para a Oriental, a Coréia do Sul para a do Norte, o Iêmen do Sul para o do Norte, Taiwan para a China)! Embora esta oferta seja exótica ela tem sua lógica, e tecnicamente é factível...
Caramba! Certos nacionalistas russos, inimigos do «Império Russo» até se sentem esquecidos pelos EUA e roubados pelos nacionalistas ucranianos. Um dos líderes dos radicais neonazis russos Dmitri Diómushkin diz que o nome “Pravi Sektor” (trademark) foi roubado dele. O redator do jornal nacionalista glamour mais popular da Rússia “Sputnik e Pogrom” Egor Prosvirnin quis abrir uma filial de seu jornal em Kiev, mas também foi roubado pelos ucranianos: afirma que lhe roubaram a idéia e o nome “Petr e Mazepa”. Os redatores de “Petr e Mazepa” reconhecem o fato de roubo e oferecem seus serviços aos EUA – de um bocal de nacionalismo russo numa Ucrânia pró-EUA. Por agora a idéia de uma Nova Rússia pró-EUA parece bizarra, mas se o projeto da “Ucrânia” falha, una Nova Rússia pró-EUA vai virar atual! De todas as formas se a Rússia «monstruosa/asiática/errada/MULTINACIONAL» não conseguir gerar um novo projeto combinatório mais viável do que as aventuras sanguinárias dos EUA e seus lacaios da UE, é muito possível que os selvagens cães liberais e nacionalistas cheguem à guerra civil para Moscou, como já foi feito no século XVII.
1. http://www.gallup.com/poll/109228/Russian-Language-Enjoying-Boost-PostSoviet-States.aspx?utm_source=Russian%20Language&utm_medium=search&utm_campaign=tiles
2. http://guiademoscou.blogspot.ru/2014/06/maidan-ou-horda.html
3. Euro-região Donbass: Lugansk, Donetsk (Ucrânia) + Rostov, Voronezh (Rússia); euro-região Dnepr: Chernigov (Ucrânia) + Briansk (Rússia) + Gomel (Bielorrússia); euro-região Slobozhanshina: Kharkov (Ucrânia) + Belgorod (Rússia); euro-região Karpaty: 19 regiões da Ucrânia, Polônia, Eslováquia, Hungria e Romênia.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Euro-regi%C3%A3o
4. http://guiademoscou.blogspot.ru/2014/03/dividir-ucrania-para-conquistar-russia.html
5. http://www.globalresearch.ca/ukraine-military-high-command-confirms-no-russian-invasion-or-regular-troops-presence-of-nato-forces-in-donbass/5431369
6. http://en.wikipedia.org/wiki/Antemurale_myth
7. http://guiademoscou.blogspot.ru/2015/02/eterno-retorno-de-stalinismo.html
8. http://www.pco.org.br/internacional/lider-neonazista-diz-que-os-moradores-de-donbass-deveriam-ser-deportados/apib,o.html
9. http://www.americanthinker.com/articles/2015/04/ukraine_a_contrarian_approach.html#ixzz3WBhvkGA1
Já passou um ano desde o início da guerra civil na Ucrânia, que evoca à memoria histórica dos russos o Tempo de Dificuldades do século XVII. Sofrendo de uma crise econômica e ideológica a Rússia ao final do século XVI caiu numa guerra civil total e esteve prestes de ser repartida entre a Polônia-Lituânia e a Suécia. Naquele tempo os cossacos («proto-ucranianos»), descontentes com o governo do tsar Boris Godunov, acompanharam os exércitos privados de oligarcas polacos em sua campanha contra a Rússia. É interessante que na primeira etapa o impostor Dmitri, o Falso I até foi bem recebido pelos russos, como um Dmitri “de Verdade” (como um filho legítimo do tsar-modelo Ivã IV, o Severo)!
Obviamente nos momentos da fraqueza do estado russo, suas periferias ficam vulneráveis para a manipulação dos inimigos e produzem as hordas dos cães selvagens, que levam a guerra para Moscou, ativando aos radicais políticos, elites contrariadas e grupos criminosos locais. O «Tempo de Dificuldades» se repetiu uma vez mais no início do século XX e está se repetindo agora mesmo on-line.
Sim, por um lado vemos uma transfiguração positiva da sociedade russa: os medíocres artistas de cinema viram os anjos da ajuda humanitária, os lavadores de autos viram os comandantes de tropas de elite – nossa sociedade, atomizada e humilhada durante os últimos 20 anos pela continua Reforma de Choque, depois da Criméia mostra uma surpreendente solidaridade e autoestima, produz aos verdadeiros heróis e lendas. Por outro lado também se manifestaram os nossos defeitos, se despertaram os nossos demônios. Nós continuamos no vácuo ideológico, preenchido pelo clericalismo medieval e antisovietismo vulgar do grupo governante, continuamos o curso neoliberal da econômia, quando a maioria do povo considera este curso fatal. A linguagem propagandistica do Kremlin é confusa e fraca.
Os calcanhares de Aquiles Russo
Sem dúvida a Criméia foi uma mudança radical do clima político na Rússia. A reintegração da Rússia com a Criméia colocou o grupo governante de Putin no mesmo barco com o povo. Agora não só os russos são um «povo errado» (conforme à russofobia ocidental, cuja história começa no século XI desde o Cisma da Igreja de 1054), agora o nosso líder nacional também perdeu sua coroa do “único europeu no país bárbaro”. Já não é um gerênte do capital estrangeiro, como Pinochet, mas quem é? O ditador argentino que quis reconquistar as Ilhas Malvinas, Leopoldo Galtieri? Ou um novo Lenin-Stalin, que pode re-sintetizar a grande Rússia numa forma moderna? Então, esperamos que o grupo governante e as elites também compartam o preço que pagamos por ter recuperado nossa subjetividade. Se não observamos este balanço, nos espera uma repetição das catástrofes do século XVII, dos anos 1917 e 1991, quando os grupos governantes perderam o controle sobre as elites e ao mesmo tempo perderam a confiança e respeito do povo.
Nova Ucrânia e Nova Rússia (Novorossiya)
Na dimenção global da guerra civil ucraniana vemos por um lado aos ucranianos pró-EUA e por outro lado aos ucranianos pró-Rússia.
Os pró-EUA acham que esta guerra é uma agressão da Rússia que quer liquidar a Ucrânia, porque esta Ucrânia é só um parasita intermediário do negócio entre a Rússia e a Alemanha. É lógico que esta Ucrânia parasita lute por sua sobrevivência, mobilizando seus recursos humanos com ajuda dos canais midiáticos e administrativos que ela controla. Esta Ucrânia afirma que a Rússia atual e seu negócio com a Alemanha é um nonsense, a Rússia atual deve ser destruída e substituida por uma Nova Ucrânia. Esta Ucrânia não quer tanto se associar com a UE, como ela quer destruir e substituir a Rússia, por isso ela se associa mais com os EUA.
Os pró-Rússia acham que esta guerra é uma agressão dos EUA contra a Rússia a fim de reconfigurar o mercado europeu de energia e congelar os projetos globais da Rússia (União Euroasiática, BRICS, OCX, etc.). É lógico que esta Ucrânia pró-Rússia se associe com a Rússia e tem medo da perda de controle sobre sua riqueza natural e industrial. Esta Ucrânia pró-Rússia afirma que as ambições da Ucrânia parasita são um nonsense, a Ucrânia atual deve ser reformatada e substituída por uma Nova Rússia.
A esta altura do campeonato vemos que os EUA financiam aos radicais neonazistas ucranianos, a bandeira dos EUA está colada sobre o escritório do SBU em Kiev (Serviço da Segurança Estatal), onde os consultores dos EUA ocupam um andar completo e tomam todas as decisões importantes para Kiev. Claro, que a «Ucrânia» atual é um protetorado dos EUA! Para os EUA «Ucrânia» é um “vírus trojan” que deve “crackear o disco duro” da Rússia e roubar seu dinheiro.
Ao mesmo tempo vemos que a Rússia apoia aos rebeldes do Leste, a bandeira da Rússia está colada sobre o prédio da OGA em Donetsk (Administração da RPD), os consultores do Kremlin também tomam todas as decisões importantes para as RPD e RPL. A Novorossiya atual é um protetorado da Rússia! A Novorossiya é um “vírus trojan” para “crackear o disco duro” da Ucrânia parasita e se livrar de suas comissões.
Ok, a situação esta clara ao nível global, mas na dimenção local, ao nivel molecular da movida vemos por um lado aos ucranianos russofóbicos e por outro lado - aos ucranianos russófilos. Se os primeiros lutam por uma Nova Ucrânia, purgada dos tarados elementos russos. Os segundos lutam por uma Nova Rússia, purgada dos tarados elementos ucranianos.
Washington financia a Nova Ucrânia só em parte, é possivel que a maior parte do financiamento das Forças Armadas da Ucrânia venha da sociedade da Ucrânia mesma (doações tanto voluntárias, como forçadas). E este mesmo fenômeno é característico para a Nova Rússia, que recebe a maior parte do financiamento não de Moscou, senão da sociedade russa.
Fator étnico e lingua
Fator étnico e lingua não são decisivos para esta guerra. Muitos russos étnicos lutam nas Forças Armadas da Ucrânia pró-EUA, como também muitos ucranianos étnicos lutam nas Forças Armadas da Novorossiya pró-Rússia. Há mais ucranianos étnicos nos governos da RPD e RPL que no governo da Ucrânia (que também tem aos ministros estrangeiros, criados nos tubos de ensaio da CIA – são representantes dos EUA, Lituânia, Geórgia). Ambas as partes ainda falam russo: um 83% dos cidadãos da «antiga» Ucrânia eram russo-falantes nativos em 2008 [1.] (os ministros estrangeiros falam russo também!).
Ou seja, não se enfrentam tanto as etnias ou línguas, como dois modelos de Futuro: uma Ucrânia derrussificada e pró-EUA e outra Ucrânia pró-Rússia. Os russos e ucranianos, que falam o idioma russo e lutam por uma Ucrânia pró-EUA, acham o “mito ucraniano” superior ao “mito russo” [2.], eles sendo falantes de russo querem que seus filhos num futuro próximo falem a língua ucraniana, eles estão a favor de uma ucranização e derrussificação forçadas. Mas isso não acontece na Criméia e Novorossiya, onde tem várias línguas estatais: russa, ucraniana, tártara (na Criméia), como também há ideias de introduzir a língua grega para a Novorossiya. Constamos que se enfrentam dois conceitos: assimilação forçada e um mosaico imperial. Enfrentamento esse que também se verificou na desintegração da Iugoslávia em locais como Krajina contra a Croácia Neo-Ustashe, na Republika Srpska contra a Bósnia Neo-Otomana e em Kosovo contra o Exército de Libertação de Kosovo (os três apoiados pelo Ocidente e a OTAN).
É lógico que na primeira etapa da crise se actualizasse o tema da federalização que poderia resolver as contradições. Por que não? A parte pró-EUA e a pró-Rússia se separam e vão embora cada uma para suas casas: já construídas (!) em forma das “euroregiões” [3.]. Mas o tema da federalização foi silenciada pelas elites governantes da Ucrânia: “a federalização deve ser feita desde baixo e não desde cima”. Que argumento mais ridículo (repetido por todos os presidentes da Ucrânia, menos Yanukovich) - como se a Ucrânia unitária não fosse feita desde cima! Como se a guerra civil não é suficiente “desde baixo”. Em lugar de uma separação pacífica a“comunidade mundial” recomenda ao esposos matar um ao outro, muito bom! Mas se pode entender isso: a tarefa não é colmatar diferenças, senão destruir e substituir a Rússia, como feito com a Iugoslávia, o Iraque e a Líbia anteriormente e como está tentando se fazer com a Síria.
Fator nacional vs multinacional
prefeito de Moscou conforme aos neonazistas |
A propaganda ucraniana costuma falar em seu delírio sobre as tropas de chechenos, buriatos, cossacos... As hordas multinacionais da Rússia uma vez mais atacaram a pobre nação ucraniana! É oportuno recordar ao pai da Ucrânia Vladímir Lenin, que escreviu em junho de 1917: “O tsarismo maldito convertia os russos em carrascos do povo ucraniano...”. Os Lenins de hoje que destruem os monumentos aos Lenins de antes diríam em vez do “tsarismo” – “putinismo”. Seja “putinismo”, “URSSismo”, “tsarismo”, “hordismo”, sempre é um enfrentamento entre uma Ucrânia bonzinha/européia/correta/NACIONAL e uma Rússia monstruosa/asiática/errada/MULTINACIONAL [7.]. Enfrentamento esse que em nada difere do enfrentamento entre a Eslovênia e a Croácia bonzinhas/européias/corretas/NACIONAIS e a Iugoslávia monstruosa/asiática/errada/MULTINACIONAL na década retrasada.
Nacionalismo russo entre EUA e EUA
É curiosa a situação na qual se encontram hoje os nacionalistas russos. Eles também odeiam a Rússia monstruosa/asiática/errada/MULTINACIONAL e igual aos nacionalistas ucranianos querem assimilar as etnias diferentes de seu país. Uma parte deles inveja muito aos nacionalistas ucranianos, apoia aos ucranianos pró-EUA, porque eles querem destruir a Rússia de hoje, uma Rússia “errada” (conforme a eles). Ao mesmo tempo resulta que estes nacionalistas russos para destruir a Rússia multinacional sacrificam aos russos étnicos mesmos, que moram no Sudeste da Ucrânia [8.]. Outra parte dos nacionalistas russos apoia a Nova Rússia, que deve virar uma base para a revolução nacional na Rússia mesma, eles querem acabar com a Ucrânia como com um projeto anti-russo e espalhar a “primaveira russa” na mesma Rússia. Possivelmente muitos destes nacionalistas entendem que a “primaveira russa” na mesma Rússia não tenha muitos chances, eles vem que a Novorossiya está virando um protetorado da Rússia tão odiada, mas eles não podem tolerar as purgas étnicas contra os russos no Leste da Ucrânia.
Vemos que uns nacionaliatas russos apoiam o nacionalismo ucraniano, porque este é uma velha boa arma do Ocidente contra o “Império Russo”, quando os outros nacionalistas russos apoiam aos russos étnicos na Ucrânia, porque acreditam na conscientização nacional dos russos a base da luta pela liberação nacional da Novorossiya contra o chauvinismo ucraniano. Uns esperam a revolução nacional russa mediante a ajuda para Ucrânia, os outros a esperam mediante a luta contra a Ucrânia.
Contudo ambos nacionalismos: tanto russo (ucrainófilo e ucrainofóbico), como ucraniano odeiam o «Império Russo». Por isso teoricamente os EUA poderiam financiar ambos! Agora os EUA mantem o nacionalismo ucraniano, mas há idéias de “distribuição de pão e biscoitos” para os nacionalistas russos também. A confederação da Ucrânia e ajuda total ao estado nacional dos russos da Novorossiya é uma receita do jornal conservador “The American Thinker” [9.]: o Ocidente deveria abandonar o projeto “Ucrânia”, porque é uma piada de Deus, o Ocidente deveria crear uma república nacional russa em Novorossiya, um modelo a seguir para a mesma Rússia (tipo a Alemanha Ocidental para a Oriental, a Coréia do Sul para a do Norte, o Iêmen do Sul para o do Norte, Taiwan para a China)! Embora esta oferta seja exótica ela tem sua lógica, e tecnicamente é factível...
Caramba! Certos nacionalistas russos, inimigos do «Império Russo» até se sentem esquecidos pelos EUA e roubados pelos nacionalistas ucranianos. Um dos líderes dos radicais neonazis russos Dmitri Diómushkin diz que o nome “Pravi Sektor” (trademark) foi roubado dele. O redator do jornal nacionalista glamour mais popular da Rússia “Sputnik e Pogrom” Egor Prosvirnin quis abrir uma filial de seu jornal em Kiev, mas também foi roubado pelos ucranianos: afirma que lhe roubaram a idéia e o nome “Petr e Mazepa”. Os redatores de “Petr e Mazepa” reconhecem o fato de roubo e oferecem seus serviços aos EUA – de um bocal de nacionalismo russo numa Ucrânia pró-EUA. Por agora a idéia de uma Nova Rússia pró-EUA parece bizarra, mas se o projeto da “Ucrânia” falha, una Nova Rússia pró-EUA vai virar atual! De todas as formas se a Rússia «monstruosa/asiática/errada/MULTINACIONAL» não conseguir gerar um novo projeto combinatório mais viável do que as aventuras sanguinárias dos EUA e seus lacaios da UE, é muito possível que os selvagens cães liberais e nacionalistas cheguem à guerra civil para Moscou, como já foi feito no século XVII.
Edição de Eduardo Consolo dos Santos
2. http://guiademoscou.blogspot.ru/2014/06/maidan-ou-horda.html
3. Euro-região Donbass: Lugansk, Donetsk (Ucrânia) + Rostov, Voronezh (Rússia); euro-região Dnepr: Chernigov (Ucrânia) + Briansk (Rússia) + Gomel (Bielorrússia); euro-região Slobozhanshina: Kharkov (Ucrânia) + Belgorod (Rússia); euro-região Karpaty: 19 regiões da Ucrânia, Polônia, Eslováquia, Hungria e Romênia.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Euro-regi%C3%A3o
4. http://guiademoscou.blogspot.ru/2014/03/dividir-ucrania-para-conquistar-russia.html
5. http://www.globalresearch.ca/ukraine-military-high-command-confirms-no-russian-invasion-or-regular-troops-presence-of-nato-forces-in-donbass/5431369
6. http://en.wikipedia.org/wiki/Antemurale_myth
7. http://guiademoscou.blogspot.ru/2015/02/eterno-retorno-de-stalinismo.html
8. http://www.pco.org.br/internacional/lider-neonazista-diz-que-os-moradores-de-donbass-deveriam-ser-deportados/apib,o.html
9. http://www.americanthinker.com/articles/2015/04/ukraine_a_contrarian_approach.html#ixzz3WBhvkGA1
Se você gostou de meu blog, pode ajudar materialmente:
PayPal: vitalezov@gmail.com
money.yandex: 41001636397604
Cartão de Sberbank da Rússia: 676196000420219652
Vou mandar o dinheiro coletado com ajuda de meu blog para as ONGs civis de minha confiança em Donbass.