Hoje, mais do que antes, está claro que a guerra fria entre a Rússia e o Ocidente ainda não acabou. Não importa o regime político da Rússia: czarismo, comunismo, capitalismo periférico, etc. - segundo os sabichões ocidentais os russos sempre são os maus! "Um povo bem-aventurado até idiotices é dirigido pelos maníacos". Acho que o nível da russofobia no Ocidente pode ser um indicador da força da Rússia.
É simbólico que os surtos da russofobia no Ocidente acompanham os êxitos culturais do "gigante simpático": a representação soviética na Exposição de Paris em 1937, o festival mundial da juventude em 1957, as Olimpíadas de Moscou de 1980 e as Olimpíadas de Sochi de 2014.
Por que a Ucrânia?
Porque a perda da Ucrânia pode desencadear a desintegração da própria Rússia! Falamos da ruptura das cadeias cooperativas (parcialmente desativadas pelo colapso da URSS), falamos da destruição do mercado comum, falamos da aproximação máxima da OTAN e da perda de nossa base militar na Crimeia. Para o demônio velho da guerra fria Zbigiew Brzezinski, a Ucrânia é uma das peças mais importantes no jogo pelo controle dos EUA sobre a Eurásia. O geo estrategista da hegemonia dos EUA só repete as ideias do político alemão Paul Rohrbach (um dos fundadores da Sociedade Thule, companhia matriz do NSDAP), para o qual a Ucrânia é a saida vital russa ao Mar Negro. Sem os países bálticos, a Polônia, Biélo-Rússia e Finlândia, mas só com a Ucrânia, a Rússia continua sendo uma ameaça para a Alemanha de Paul Rohrbach.
Alias Ucrânia é uma parte muito vulneravel do mundo russo: a Ucrânia desempenhou um papel decisivo durante o Tempo de Dificuldades no século XVI, quando ela virou um ponte da invasão polaca na Rússia. A guerra de Pedro o Grande contra Suecia (pela saida ao Mar Báltico) também acabou na Ucrânia. Só tenho que dizer que naquele tempo não foi usado muito o nome "Ucrânia" - essa parte da Rússia se chamava pelos russos com muito carinho a "Rússia Pequena", no sentido: "coração da Rússia, o centro do mundo russo", quando a Rússia Grande era so uma periferia da Rússia Pequena. O nome "Ucrânia" foi dado a essas terras pelos polacos: "ucrânia" quer dizer "margem, zona marginal, periferia" - assim com desdém os polacos chamavam esse territorio.
É importante ressaltar que a mesma ideia do estado "Ucrânia" (dos Cárpatos até o rio Volga e Cáucaso) foi desenhada pelos austríacos, alemães e polacos com objetivo de dividir aos russos para reinar a Rússia. Seus agentes principais nesse projeto de desmembramento do Império Russo eram os ucraniófilos galicianos e rutenos.
Polarização da Ucrânia
Hoje muitos sabichões descobriram que a Ucrânia está polarizada: há uma parte ocidental, economicamente muito pobre, mas politicamente radical e russofóbica (os galicianos) e há outra parte oriental que é rica, industrializada e pró Russia. As diferenças extremas se misturam no centro do país.
Por que o Leste é pró Russia (a gente aqui fala russo e etnicamente se identifica como russos)? Porque o leste ucraniano foi a Rússia! Foi o camarada Lenin quem passou esses territórios à Ucrânia (RSSU) para aumentar o peso do proletariado nessa república agrária. É preciso lembrar que a gente do leste ucraniano é uma sub-etnia russa, nesse sentido em 1991 se desintegrou a unidade nacional dos russos!
E por que o oeste é tão russofóbico? Porque assim que ele foi desenhado pelos polacos, austríacos e alemães. A Galícia foi parte da Polônia, do Império austro-húngaro e logo do III Reich Nazista. É ali onde foi artificialmente criado e cultivado o nacionalismo ucraniano no século XIX, com grande ajuda da inteligencia da Áustria-Hungria. Além de isso o leste foi ao pé da letra desrussificado - durante a Primeira Guerra Mundial. Os austríacos organizam os primeiros campos da concentração na Europa: Thalerhof e Terezín justamente para os russos étnicos da Galícia, denunciados pelos galicianos e polacos. Durante esse genocídio dos russos, os galicianos já negam o seu etnônimo original - se antes eles eram rutenos, agora são os ucranianos. É curioso que os rutenos da Transcarpatia ucraniana, embora vivam no Oeste ucraniano,continuam sendo pró Russia, eles não aceitaram a ucranização imposta pelos austríacos.
Lenin não só entregou à Ucrânia o leste industrializado da Rússia, mas também apoiou o nacionalismo ucraniano dentro da sua lógica de luta contra o Império Russo como uma prisão dos povos. Seu plano foi transformar a luta pela liberação nacional na luta pelo socialismo. É curioso que outra marxista muito criativa - Rosa Luxemburgo até criticou Lenin por esse jogo com o nacionalismo ucraniano: "O nacionalismo ucraniano na Rússia foi muito diferente do que digamos os nacionalismos checo, polaco ou finlandês, ele foi nada mais do que uma mania, uma farsa de umas dezenas de intelectualóides pequeno-burgueses. Ele não tinha nenhumas raiz na economia, política ou campo espiritual desse país, não tinha nenhuma tradição histórica, porque a Ucrânia nunca foi nem nação, nem estado, sem nenhuma cultura nacional, se não contarmos com os poemas reacionários-românticos de Shevchenko. <...> E essa piada ridícula de uns professores universitários e seus alunos foi artificialmente exagerada pelo Lenin e seus camaradas com sua agitação doutrinária pelo "direito à autodeterminação" e foi transformada num fator político". É uma ironia histórica que hoje os "revolucionários" ucranianos destruam os monumentos a Lenin, que foi um dos pais da nação ucraniana!
A Ucrânia e seus novos heróis
no balanço com um moscovita, um fôlder de UPA |
Os nacionalistas ucranianos de hoje odeiam Lênin, porque a memoria histórica é curta e eles preferem auto-identificar-se com a versão de seu nacionalismo mais nova, desenhada pelos nazistas, os quais só continuavam em sua propaganda as ideias de Paul Rohrbach e a lógica milenária de "Drang nach Osten". Por isso os santos mais venerados pelos nacionalistas ucranianos são os colaboradores nazistas que matavam as mulheres e as crianças russas, judeas e polacas durante a 2ª Guerra Mundial. Na realidade, só continuando seu trabalho de purgas étnicas, que tinham recebido durante a 1ª Guerra Mundial. Às vezes a crueldade sádica dos castigadores ucranianos se explica pela questão do "Holodomor", mas é preciso saber que a Galícia, a matriz do colaboracionismo, nem era parte da URSS, quando aconteceu aquela fome terrível (era parte da Polônia).
Também é importante dizer que os "heróis" do colaboracionismo ucraniano não lutavam por sua visão da Ucrânia, mas lutavam pelo III Reich dos nazistas, jurando fidelidade a Adolf Hitler. Não é correto pensar que essa gentalha colaborasionista lutava contra os alemães também. Um deles, Stefan Bandera, foi preso pelos nazistas em 1941, porque ele era mas útil para III Reich na prisão (como um mártir do nacionlismo ucraniano) - onde este "mártir" viveu muito bem, recebendo as prostituas. E, a coisa mais curiosa, ele foi liberado pelos nazistas em 1944! Que inimigo do III Reich mais forte! Depois de ter servido a Abwehr esse herói (responsável pela morte de centenas de milhares de polacos, russos, húngaros, judeus e ciganos) trabalha para MI6 até sua execução pela inteligência soviética em 1959.
A 2ª Guerra Mundial se acaba e a Galícia, região que na Idade Média era parte integrante da Rus’ de Kiev, mas que passou longos períodos de sua história sob jugo ocidental (polaco de 1349 a 1772 e 1918 a 1939, austríaco de 1772 a 1918 e alemão nazista de 1941 a 1944), foi integrada à Ucrânia Soviética (de direito em 1939 e de fato - em 1944) e muitos intelectuais galicianos viram um foco da atenção do governo soviético - lhes ofereceram os melhores trabalhos e moradia em Kiev (capital da Ucrânia) para que eles tenham a melhor vida possível no marco do sistema soviético. Sua gratidão de hoje são as marchas nazistas pela capital ucraniana que ficou em ruínas depois do golpe de estado, orquestrado pelos EUA e Alemanha.
A Ucrânia de 2004 e a de 2014
folhetos de Kiev e de Cairo são idénticos |
Kiev de 2013 e Belgrad de 2000 |
Nesse sentido a revolução laranja de 2004 também foi um golpe de estado. Mas o golpe de estado em 2014 foi tão brutal, radical e abertamente coberto pelo Ocidente que é mais parecido às últimas agressões ocidentais contra a Líbia ou a Síria (embora se conserve a lógica da intecepção do poder: a "familia" de Yúlia Timoshénko ocupa o lugar da "familia" de Víctor Yanukóvich).
As bandeiras nazistas foram vistas na Ucrânia de 2004, mas em 2014 essas bandeiras monopolizaram o espaço urbano de Kiev! Além disso, os líderes da oposição parlamentar (que eram uma minoria no parlamento) não controlaram aos combatentes neonazistas, que atiravam as pedras contra os policias desarmados, os queimavam com os coquetéis Molotov e logo os disparavam com as armas de fogo. A oposição da rua se denominou como o "Setor de Direita", uma aliança de vários partidos, grupos paramilitares e movimentos de torcedores de futebol. Os jornais "Spiegel", "Le Figaro", canal britânico BBC, Lyndon LaRouche, Stephen Cohen, os políticos como Jean Asselborn, Heinz Fischer, etc. reconhecem que o motor principal das revoltas violentas em Kiev foram os grupos paramilitares neonazistas. Assim o terror foi a ferramenta principal do golpe de estado em 2014 (perseguição, ameaças aos familiares dos deputados, funcionários e policias, humilhação, terror físico, torturas, espancamento até a morte, censura dos meios de comunicação).
As etapas do golpe de estado
1. O presidente legítimo da Ucrânia (que não foi amigo da Rússia de maneira nenhuma) Viktor Yanukóvich, cuja legitimidade foi reconhecida por todos os organismos internacionais adiou a assinatura do acordo político de associação com a União Europeia. Foi a única coisa boa que fez esse governador, representante de um dos clãs oligárquicos do país. Segundo esse acordo a Ucrânia teria que sacrificar sua indústria, abrindo seu mercado para os produtos europeus. Além disso, o país deveria abandonar o apoio social ao povo por completo. Quando a União Europeia não ofereceu nenhuma ajuda financeira para "formatar o dísco rígido" da economia ucraniana segundo os padrões europeus. Obviamente os europeus procuram só um novo mercado de consumo e um novo exército de fura-greves para suas economias. Também eles estão interessados na rede de transporte de gás, nas plantas atômicas, nos portos e nas terras pretas da Ucrânia. Mas eles não oferecem a Yanukóvich nada. O presidente legítimo temporariamente suspende a assinatura de tal acordo absolutamente desfavorável para a Ucrânia.
2. Imediatamente Yanukóvich vira um "stalinista", fantoche dos chineses e russos (que lhe ofereceram a ajuda econômica em forma dos projetos económicos internacionais). Em Kiev começam os distúrbios. O presidente lembrando sobre a revolução laranja de 2004 tem muito medo de usar força e os policias se enfrentam com os protestantes sem armas nenhumas.
3. Os protestantes não querem esperar as eleições de 2015, querem eleições agora mesmo! Na capital da Ucrânia mais de 3 meses vivem dezenas de milhares dos "revolucionários" vindos todos da Galícia. Eles negam qualquer compromisso com o presidente Yanukóvich, eles continuam atacando os policiais, quebram suas mãos, lhes arrancam os olhos, os queimam. Os "revolucionários" ocupam umas sedes das administrações regionais, torturam os governadores. Mas o presidente Yanukóvich não usa a força.
Em Kiev entre os "manifestantes pacíficos" dão discursos os embaixadores dos EUA, França, Espanha, Alemanha, Dinamarca, vice-secretária de Estado Victoria Nuland (ela desse que os EUA pagaram 5 bilhões de dólares para promover a "democracia" na Ucrânia e querem ver os resultados), os senadores estadunidenses John McCain e Chris Murphy estão aí em Kiev, igual que o Ministro das Relações Exteriores da Alemanha Guido Westerwelle, seu homólogo holandês Frans Timmermans, comissária do Comércio Europeu Catherine Ashton e muitos outros políticos da Lituânia, Polônia, República Checa, etc. Todos eles apoiando o golpe violento em Kiev e acusando à Rússia de intervir nos assuntos da Ucrânia!
4. 21 de fevereiro após a reunião com os líderes da oposição e representantes da Rússia e da UE (Alemanha, Polônia, França), o presidente ucraniano, Viktor Yanukóvich cede a todas as demandas da oposição (eleições presidenciais antecipadas incluídas), mas os "líderes" da oposição não podem controlar aos neonazistas do "Setor de Direita" que não gostam da UE e sonham com um estado nazista, puramente ucraniano! Os neonazistas continuam o terror nas ruas, o presidente Yanukóvich foge para a Rússia.
5. Ao poder sobe uma junta composta pelos opositores neoliberais e oligarcas pró-UE (e até aquí e uma clássica revolução colorida), mas também no poder agora estão presentes os neo nazistas, que controlam todos os organismos de força. Kiev é dominado por saques e caos. O povo foge da Ucrânia: 140 mil ucranianos pedem asilo na Rússia. A primeira lei tomada pela junta foi a lei sobre discriminação da língua russa, língua na qual 50% da população fala em casa.
6. A junta nomeia como governadores das regiões pró-Rússia de Khárkov e Donetsk oligarcas russofóbicos. Essas regiões são doadores para todo o país (valeu a pena o sacrifício de umas 100 pessoas para adiantar eleiçoes por um ano e trocar uns oligarcas por outros?).
7. O golpe de estado provoca uma serie das revoltas pró-Rússia no Sudeste do país. Surgem os governos populares que não reconhecem a junta golpista e pedem à Rússia ajuda, porque eles têm medo de um eventual genocídio, similar ao ocorrido em 1995 na região sul da Croácia contra os sérvios da região de Krajina (leia-se Kraiina), perpetrado por croatas viúvas da Ustashe de Ante Pavelich, a qual assim como a OUN-UPA de Stepan Bandera foram ativos colaboradores dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. É obvio que os EUA e a junta estão interessados só em guerra europeia. Os golpistas não podem se manter sem ajuda militar da OTAN, porque os soldados ucranianos não querem defender a junta ilegítima (quando a junta anunciou a mobilização total, só um 1,5% dos recrutas se presentaram nas caixas de recrutamento).
"pessoas gentis" na Criméia |
9. Uns milhares de soldados ucranianos passaram para o lado dos russos. Mas as tropas da Ucrânia se concentram perto da Criméia, dirigidas não pelos militares senão pelos comissários da junta, cobertos segundo certas informações pelos mercenários das empresas militares privadas dos EUA, como Xe Services LLC (ex Blackwater). Segundo os trabalhadores do aeroporto de Kiev "Boríspol" as reservas de ouro da Ucrânia ja são trasladadas para os EUA.
10. A melhor saída da crise ucraniana poderia ser criação de uma federação ou até confederação da Ucrânia para salvar as diferenças étnicas, culturais e religiosas. Mas isso é pouco provável porque o Ocidente quer comer a Ucrânia ante todo economicamente e inclui-la em seu lebensraum, da mesma forma com que Hitler tentou fazer durante a Segunda Guerra Mundial.
De qualquer modo os recursos económicos da RSSU (Ucrânia Soviética) têm sido acabados durante os últimos 20 anos e o estadismo russofóbico ucraniano demostrou uma vez mais sua incapacidade político-económica.
Uns links que podem ajudar:
- uma parte dos republicanos dos EUA apoiam a Pútin
- Vladimir Putin é talhado para ser convertido em outro Milošević.
- Vladimir Putin é talhado para ser convertido em outro Milošević.
- um podcast em português (audio)
- manifestação neonazi em Kiev em que aparece a bandeira da oposição bielorrussa (a bandeira branca como uma faixa vermelha no meio usada pelos colaboradores bielorrussos dos nazistas e pelos opositores de Lukashenko na fracassada "revolução branca" em 2006) (video)
Redacção de lang-8 e Eduardo Consolo dos Santos